Vivendo em Roma nos últimos três anos, pude acompanhar de perto a dolorosa saga de milhares de imigrantes e refugiados, que chegam quase diariamente na Europa em busca de uma vida nova. Em geral fogem de guerras, de perseguições étnicas e religiosas, da pobreza extrema, da fome, do abandono humanitário, arriscando a própria vida numa viagem cheia de esperanças, mas com pouquíssimas garantias. Ao chegar na Europa – e o mesmo acontece em todas as outras realidades, como nos EUA ou no Brasil –, são hostilizados, repudiados, oprimidos, vítimas de muitos preconceitos e fake news.
Um dos pontos de maior crítica surge ao fato de que, se são “refugiados”, não poderiam trazer consigo um smartphone, muitas vezes de última tecnologia. E aqui entramos no nosso tema. O que você pensaria ao ver um migrante com um iPhone na mão, por exemplo? Provavelmente a primeira reação seria afirmar que ele é um oportunista, que não precisa da mesma assistência ou caridade da maioria dos migrantes. Mas isso é um erro, provocado pelo preconceito e muitas vezes por falta de conhecimento. Criticar esta realidade é ignorar por completo a cultura e sociedade atuais, marcadas profundamente pela hiperconexão, pela tecnologia e pela comunicação.
A interconectividade é um elemento essencial para o migrante contemporâneo. Vivemos naquela que o sociólogo espanhol Manuel Castells chama “sociedade em rede”. Este é o tempo e o espaço que habitamos hoje. É impossível fazer parte da hodierna sociedade sem considerar a sua dupla dimensão: online e off-line. Alguns estudiosos usam inclusive o termo “onlife” para definir a condição habitativa atual, onde online e off-line se complementam e interagem constantemente, sem uma distinção evidente. O celular, ou smartphone, é desse modo um bem essencial para uma pessoa que deixa a sua terra e parte rumo ao desconhecido. É através deste instrumento – uma extensão do seu próprio ser, um verdadeiro portal para um mundo paralelo, aquele digital – que ele pode se comunicar com os familiares e amigos que deixou para trás ou que o esperam adiante; pode se informar sobre o que está acontecendo no mundo, no seu país de origem e no país onde pretende chegar, ou sobre as rotas mais seguras a seguir; pode pedir ajuda no caso de emergência ou imprevisto; pode contatar associações ou grupos de ajuda aos migrantes; pode unir-se a novas comunidades.
E não só. Hoje é fundamental haver um celular para poder registrar-se online em diversos serviços de assistência jurídica, civil e humanitária; para solicitar documentos e inscrever-se em projetos sociais; para ser contatado pelos Governos locais que o receberão; para construir e alimentar novas relações, especialmente através das redes sociais; para encontrar locais e pessoas que lhes dê suporte e assistência, etc. Além disso, são muitas as Apps que ajudam os migrantes, algumas das quais criadas especialmente para este fim. O site www.ong2zero.org, dentre tantos similares, apresenta uma série de tecnologias que podem ser de preciosa ajuda nos processos migratórios, tanto para os migrantes quanto para os profissionais, voluntários ou religiosos/as que trabalham no acolhimento dos migrantes. Um exemplo concreto são os mecanismos de traduções simultânea, instrumento básico para os refugiados que chegam na Europa e ali encontram diversas línguas desconhecidas.
Enfim, se no século 18 ou 19 os imigrantes que saíam da Europa rumo às Américas levavam consigo algumas ferramentas de trabalho e assim começaram grandes empreendimentos nos diversos ramos (agricultura, metalúrgico, calçadista, bancários, etc.), hoje a ferramenta mais importante para ajudar no começo de uma vida nova, em uma terra desconhecida e hostil, é o smartphone, o tablet ou o notebook. É com ele que o migrante constrói o seu novo ecossistema comunicativo, alicerce sobre o qual se fundamentam todas as dimensões da vida contemporânea, independentemente de onde nos encontramos fisicamente.
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