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(publicado na Revista Familia Cristã)
No dia 25 de Janeiro de 1959, há 50 anos, o Papa João XXIII anunciava a necessidade de convocar um novo Concílio Ecuménico, o 21º da História da Igreja – o anterior, Vaticano I, tinha ocorrido em 1870, mas sem grande repercussão. Na convocatória do Concílio Vaticano II, publicada apenas em 25 de Dezembro de 1961, o Papa especificou as razões do encontro: “A Igreja assiste a uma crise que aflige a sociedade humana”. João XXIII fazia assim um convite à Igreja para distinguir “os sinais dos tempos” (Mt 16,3) e manter-se vigilante e responsável, confiante em Cristo. O Concílio seria a resposta da Igreja ao desejo de colaborar mais eficazmente na solução dos problemas da época. Assim foi verdadeiramente.
O primeiro documento aprovado pelos bispos conciliares, cerca de dois mil e duzentos, foi a Sacrosantum Concilium, sobre a Liturgia. A renovação da Liturgia era uma exigência unânime, fruto das transformações trazidas pelo movimento litúrgico iniciado no final do século XIX. O movimento resgatou elementos da Escritura, da origem do Cristianismo e da Tradição da Igreja, dando à Liturgia um estatuto teológico e revelando toda a sua riqueza. Os documentos de Pio X, Tra le sollecitudini (1903), e de Pio XII, Mediator Dei (1947), já apontavam a necessidade de renovação da liturgia, justificada teológica, histórica e pastoralmente. Durante a apresentação do texto da Sacrosantum Concilium houve 328 intervenções orais e 625 escritas, mas o documento foi aprovado sem controvérsias no dia 4 de Dezembro de 1963: 2147 votos a favor e apenas 4 contra.
A promulgação deste documento foi um marco na vida da Igreja, fundamental para a promoção e desenvolvimento da Liturgia. Devolveu-se a ela a verdadeira importância e centralidade na vida cristã, pois é a mais perfeita expressão do mistério de Cristo e da nossa união com Deus: “A liturgia contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja, que é simultaneamente humana e divina, visível e dotada de elementos invisíveis, empenhada na acção e dada à contemplação.” (veja SC 2)
A Sacrosantum Concilium é dividida em sete capítulos. Logo no primeiro encontramos a sua fundamentação teológica, a parte mais importante e profunda do documento. A Liturgia é apresentada no horizonte da História da Salvação, cujo fim é a redenção humana e a perfeita glorificação de Deus. Ela é sacrifício, memorial do mistério pascal, renovação da aliança. Ela é “simultaneamente a meta para a qual se encaminha a acção da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força” (SC 10). Sobre a presença de Cristo, o ponto sete esclarece-nos: “Para realizar tão grande obra, Cristo está sempre presente na Sua Igreja, especialmente nas acções litúrgicas. Está presente no sacrifício da missa, quer na pessoa do ministro, quer e sobretudo sob as espécies eucarísticas. Está presente com o seu dinamismo nos Sacramentos, de modo que, quando alguém baptiza, é o próprio Cristo que baptiza. Está presente na sua palavra, pois é Ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura. Está presente, enfim, quando a Igreja reza e canta (Mt 18,20).”
O segundo capítulo retoma este tema, mas trata especificamente do mistério eucarístico como memorial da morte e ressurreição de Cristo. Uma das maiores preocupações do Concílio, em sintonia com o movimento litúrgico, foi rever os ritos, tornando-os mais simples e significativos. O ritual da missa foi simplificado e a liturgia da palavra ampliada. A homilia passou a ser muito valorizada, pois é “a exposição dos mistérios da fé e das normas da vida cristã” (SC 52). As renovações apontadas para os outros sacramentos são enfatizadas no capítulo três e referem-se principalmente à revisão dos rituais, realizada com primor nos anos seguintes.
O capítulo quatro ocupa-se do Ofício Divino, cuja recitação é incentivada e a maior mudança é o uso da língua vernácula. O uso da língua própria de cada país foi uma das principais transformações trazidas pelo Concílio e aplicada a toda a Liturgia. Este tema é tratado nos números 36 e 54 do documento, ainda no primeiro capítulo. Ali também se diz que a celebração comunitária é preferida à individual (SC 27), incentivando-se a presença e participação activa dos fiéis.
A participação sempre maior e mais activa dos fiéis na liturgia foi o pano de fundo que incentivou as principais renovações do Concílio. Hoje, analisando o número sempre decrescente de fiéis que vão à igreja regularmente, a preocupação volta à tona. Segundo o recenseamento realizado pela Igreja de Portugal em 2001, apenas 18,7% da população é praticante, apesar de 84,5% se declarar católica. Isso representa uma queda na participação dos fiéis em torno de 1,5% ao ano desde a pesquisa anterior (1991), ou seja, cerca de 31 mil fiéis por ano deixam de ir à missa.
Esta situação deve fazer a Igreja, que no fundo somos todos nós cristãos, repensar sua constituição e renovar-se, resgatando e actualizando as indicações do Concílio. Ao longo destes 45 anos muitas coisas foram feitas, mas a necessidade de renovação é sempre actual. Uma vez aprovada, a Sacrosantum Concilium influenciou decisivamente toda a Igreja, no modo de pensar, de ensinar, de olhar para as suas instituições e para o mundo. Imprimiu-lhe uma nova dinâmica que continua viva e a convocar a Igreja a estar atenta à linguagem do seu tempo e lugar. Mantém-se sempre actual a necessidade de formar o clero e o povo, conforme indicam os números 14 a 20. Para isto foram criados os diversos centros de liturgia, as comissões regionais, nacionais e internacionais, os cursos de liturgia, as semanas de formação e diversas outras iniciativas.
Temos ainda os capítulos 5, 6 e 7, que tratam respectivamente do Ano Litúrgico (caminho através do qual a Igreja recorda e revive o Mistério pascal de Cristo), a Música e a Arte Sacra, que devem contribuir para a beleza e dignidade do culto.
O Concílio mostrou-nos que a liturgia é o momento privilegiado de encontro com Deus, ensinou a valorizar e redescobrir o valor da Palavra e da Eucaristia e a importância da oração e do silêncio, da reflexão bíblica, da força que vem da Eucaristia. No próximo mês veremos como tudo isto influenciou na definição do que é a própria Igreja, com a análise do documento Lumen Gentium.
Para reflectir:
Qual é o espaço que a Liturgia ocupa hoje na Igreja e na sua vida pessoal? Ela é vivida como fonte e cume da vida eclesial?
Como é a formação litúrgica na sua comunidade? Há necessidade de uma formação mais direccionada?
A decoração, a arte, as alfaias e o coro na sua paróquia favorecem o encontro com Deus? Revelam a beleza e dignidade de Deus?
Os leitores, cantores e acólitos de sua paróquia têm consciência do ministério que exercem?
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