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“Ir e ver”: método de comunicação autêntica

 


O convite a «ir e ver», que acompanha os primeiros e comovedores encontros de Jesus com os discípulos, é também o método de toda a comunicação humana autêntica.” Assim de modo contundente o Papa Francisco inicia a sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações deste ano 2021, na qual faz apelo explícito a uma comunicação “transparente e honesta”, tanto nos grandes meios como nas paróquias e nas redes sociais. O Papa exorta todos os cristãos – particularmente os comunicadores – a “ir ver, estar com as pessoas, ouvi-las, recolher as sugestões da realidade”, refletindo de modo muito claro nesse convite o seu modelo de Igreja em saída. 

Por um lado Francisco denuncia a superficialidade de um jornalismo “ctrl C - ctrl V” (cópia e cola). Por outro, nos provoca a sermos comunicadores autênticos, dando-nos para tal um método muito concreto: “ir e ver”. Referindo-se sobretudo aos jornalistas, o Papa fala de uma “crise editorial” que tem suas raízes na autorreferencialidade, na incapacidade de “sair”, de encontrar as pessoas, o mundo concreto. O problema principal não é que as pessoas hoje não leem, mas o fato de já não se sentirem atraídas pelo jornalismo tradicional, visto como repetitivo, tendencioso e comercial. A tendência das notícias “ctrl C - ctrl V” é muito perigosa, pois revela um marcado comodismo que não raro alimenta fake news e o negacionismo. Há tempo os jornalistas não saem das suas redações para investigar, para construir as reportagens. Muitos apenas adaptam ou simplesmente replicam notícias das grandes agências, entrevistam por telefone, pesquisam através dos novos meios digitais, “criam” notícias a partir dos seus escritórios. Perdeu-se o contato face a face, o “cheiro das ovelhas” diria o Papa em outra ocasião. Na presente mensagem optou por uma expressão igualmente incisiva e bela: “gastar as solas dos sapatos”. Falta no jornalismo atual esse dinamismo da estrada, da saída, da proximidade, do encontro. É preciso voltar a gastar as solas dos sapatos. O jornalismo tem função de denúncia, deve expor as injustiças, as dores, os sofrimentos humanos, não com o fim sensacionalista, mas para promover uma conscientização e mobilização. O contexto de pandemia mundial é exemplo concreto. Permanecendo nos estúdios e escritórios há o perigo de se narrar apenas números, friamente, sem descrever a complexa realidade dos que sofrem diariamente as consequências do vírus e do aumento da pobreza e dos conflitos sociais.

Indo além do jornalismo tradicional, o Papa reconhece que “graças à rede, temos a possibilidade de contar o que vemos, o que acontece diante dos nossos olhos, de partilhar testemunhos”, mas nem sempre a velocidade e a quantidade significam qualidade de informação. Todos somos prosumers – para usar um neologismo bastante significativo e popular hoje –, somos ao mesmo tempo produtores e consumidores de conteúdo, de informação, mas nesse processo se multiplicam também as falsas notícias, ou inverdades, as manipulações de dados e imagens. O próprio Papa afirma que: “foram-se tornando evidentes, para todos, os riscos duma comunicação social não verificável. (...) Todos somos responsáveis pela comunicação que fazemos, pelas informações que damos, pelo controle que podemos conjuntamente exercer sobre as notícias falsas, desmascarando-as. Todos estamos chamados a ser testemunhas da verdade: a ir, ver e partilhar.” 

A mensagem nos recorda portanto que quantidade não é qualidade, assim como velocidade não significa prioridade. O método “ir e ver” toma tempo, mas garante uma maior precisão e qualidade na comunicação, não apenas para o jornalismo. O excesso de informação, como qualquer excesso, pode ser prejudicial, levando à saturação e ao cansaço, à “infodemia”. O fato de vermos se multiplicar notícias na web e nas redes sociais não significa que estamos melhor informados. Ao contrário, permanecemos cada vez mais na superficialidade, lendo apenas títulos, sem ir ao âmago das questões, eventos e situações.

Nesse sentido, diante da des-mediatização da comunicação, continuam a ser fundamentais os comunicadores reconhecidos e fiáveis, pois são os que podem garantir qualidade e profundidade das informações, com responsabilidade e ética. “Editores” continuam a ser essenciais se souberem ler e interpretar as necessidades dos seus interlocutores, ajudando-os a “ver” a realidade sob novas perspectivas. É sempre bom repetir que os meios técnicos devem amplificar e potenciar nossos dons e (cinco) sentidos, não limitá-los ou condicioná-los. A nossa comunicação humana perdeu bastante significado ao ser instrumentalizada e tem muito por recuperar no retorno ao face a face. Praticamente todas as mensagens do Papa Francisco ligadas ao Dia das Comunicações acenam a essa interação humana que está na base de qualquer comunicação. Recordam-nos que não basta transmitir para comunicar, ou estabelecer contato para se relacionar; que diálogo é muito mais que troca de mensagens, assim como a relação não se limita a uma simples conexão ou alguns likes. Isso porque “não se comunica só com as palavras, mas também com os olhos, o tom da voz, os gestos. (...) A palavra só é eficaz, se se «vê», se te envolve numa experiência, num diálogo”, afirma o Papa na sua mensagem. Isso especialmente na cultura iconocêntrica em que vivemos, eu acrescentaria.

Sempre me tocou de modo especial o relato dos Discípulos de Emaús. Nessa passagem bíblica é evidente a força da linguagem não-verbal, simbólica. Não foi durante a conversa ao longo do caminho que os discípulos reconheceram o Mestre, mesmo que ali tenham discutido ideias e conceitos, usando muitas palavras. A verdadeira comunicação se deu no silêncio, “ao partir o pão”. A informação mais importante foi transmitida e recebida através da linguagem não-verbal, através de um gesto, de um olhar nos olhos, nas mãos... num estar juntos, próximos. A comunicação mais profunda não é mediada, instrumentalizada, mas personalizada. Isso não significa desmerecer ou desvalorizar os instrumentos técnicos, ao contrário, é afirmar que devemos humanizá-los: essa continua provavelmente a ser a maior missão do Paulino hoje, como já ressaltava o nosso Capítulo geral de 2004. 

Para recordar outra expressão muito usada pelo Papa, a comunicação essencial e mais profunda não é feita de adjetivos, mas de sujeitos. Nós somos chamados a ser sujeitos da comunicação e da evangelização, não objetos. Somos chamados a “comunicar, encontrando as pessoas onde estão e como são”. Para alcançar este ideal temos um modelo muito concreto: Paulo. No final da sua mensagem, Francisco recorda o Apóstolo como modelo de comunicador. Paulo usou os instrumentos e a técnica disponíveis no seu tempo, mas o que o tornou um comunicador extraordinário foi a capacidade de escutar seus interlocutores, responder às suas necessidades, ir ao seu encontro, construir relações com pessoas e comunidades. Foi a sua comunicação interpessoal, seu testemunho, sua autenticidade que por primeiro tocou e converteu uma multidão de judeus e pagãos.

Interessante ressaltar como o lema “Vem e verás” tem uma forte carga vocacional, sendo o moto normalmente usado na animação vocacional. Isso me faz pensar no jornalismo e na comunicação em geral como verdadeira e profunda vocação. Para o Paulino é algo essencial: nossa vocação é a comunicação, somos chamados a ser “editores”, aqueles que a exemplo de Maria “edit Salvatorem”, ou seja, dão ao mundo o Salvador. Aqueles que conduzem até Jesus, que promovem o encontro com o Salvador, que ajudam as pessoas a fazerem experiência, a “ir e ver” o Senhor, como verdadeiros apóstolos (cf. Jo 1,46). Se formos fiáveis e honestos, comunicadores “autênticos” como exorta o Papa, certamente não perderemos o nosso espaço e importância na Igreja e na sociedade.

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