“Viver para contar” era um único resquício, como âncora que me mantinha ligado ao autor. Sabia que um dia o leria, mas o fui negligenciando. Estava quase esquecido entre tantos outros grandes livros à espera de um dia serem convocados. Mas algo me dizia que a sua hora ia chegar. Foi por isso que não o pude deixar no Brasil, e assim ele me acompanhou na mudança para Portugal.
Sete anos na terra de Camões e Pessoa, e nada de reabilitar Gabo. “Viver para contar” continuava semi-esquecido. Mas algo continuava a me dizer que um dia ele seria lido, por isso não o pude deixar em Lisboa, e assim ele me acompanhou em mais uma mudança, agora para Roma.
Cinco anos entre pizzas, viagens e novas descobertas, eis que uma pandemia nos deixa isolados, em solidão (não por cem anos, mas quase), buscando amores nos tempos do covid, e por um sequência de acasos brota a vontade de ler Gabo. O tal dia de “Viver para contar” chegou. Em menos de uma semana suas quase 500 páginas são devoradas com o mesmo vigor e encanto que lia os seus romances há mais de duas décadas.
"Viver para contar” não apenas me transportou à saudosa América Latina, mas também a um período em que descobria a literatura, tempo de juventude curiosa e voraz que já tinha quase sido esquecido. Com a sua riqueza narrativa é impossível permanecer imóvel no tempo e no espaço. Gabo nos provoca e inspira. Ao descrever a sua infância e juventude, ao revelar como foi o seu processo de maturidade humana, profissional e literária, Gabo me fez recordar de tantos momentos, lugares e pessoas que foram fundamentais também no meu crescimento pessoal.
García Márquez nos exorta a também “viver para contar”, e viver intensamente, para que a narrativa seja forte e credível. Excelente obra, narrada com esmero e delicadeza, com bom humor e precisão estilística típicos do autor. Ao final da leitura, depois de repreender o fôlego, o que fica mais evidente é a necessidade de ler, e ler muito, e aprender, e ler novamente, para poder um dia compreender e narrar, não tão bem como Gabo, mas o suficiente para ser feliz e emocionar ao menos um leitor que seja.
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