"Forçados, como Jesus Cristo, a fugir: Acolher, proteger, promover e integrar os deslocados internos" é o tema do 106º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, celebrado neste domingo, 27 de setembro. O tema, assim como a mensagem escrita pelo Papa Francisco para esta especial ocasião, se inspira na narração da Fuga para o Egito, do evangelho de Mateus.
A leitura do capítulo 2 de Mateus ilumina muito a nossa vida hoje, marcada por tantas dores e perseguições, mas também por tanta desobediência e individualismo. Mateus nos ensina sobretudo que devemos estar atentos à voz de Deus. No contexto bíblico, o sonho é lugar de diálogo com Deus, o modo dele falar com o ser humano. Mas hoje poderíamos estender este lugar aos sacramentos, à oração, à Palavra... são lugares de encontro e de diálogo com Deus, mas que só se concretiza quando nos colocamos em uma postura humilde de escuta. Este é um elemento da comunicação muito escasso hoje, apesar de ser uma das bases fundamentais sem as quais não existe comunicação. Sofremos com o excesso de ruído, de agitação, de confusão... que nos impede de fazer silêncio e de escutar a Deus e também o próximo. E se não escutamos, não podemos interagir. Se não escutamos Deus, não sabemos qual o seu projeto para nós. Se não escutamos o grito do oprimido, não sabemos como ajudá-lo. Nossa comunicação é em geral impositiva, autoritária. Falta-nos a humildade e a predisposição de José.
Por duas vezes José salvou Jesus, o Verbo encarnado, por escutar e acreditar na comunicação de Deus. Na primeira, salvou da difamação humana, ao acreditar no sonho revelador da maternidade divina de Maria, que concebera por obra do Espírito Santo. Na segunda, salvou-o da fúria e violência de Herodes. Poderíamos ainda falar de uma terceira obediência, sempre tendo recebido aviso em sonho: aquela de retornar do Egito para Israel, estabelecendo-se em Nazaré, por receio de Arquelau, sucessor de Herodes. Aqui mais uma vez vemos como a obediência de José se contrapõe à maldade e à injustiça dos governantes e ao poder temporal (tanto Herodes quanto Arquelau são definidos pela ganância e pelo medo de perder privilégios típicos dos líderes autoritários). E também como se contrapõe ao egoísmo e ao individualismo, pois José muda seus objetivos e intenções iniciais após ouvir Deus.
Esta perícope se tornou certamente consoladora para a comunidade mateana, abalada pela perseguição de judeus e romanos. Jesus perseguido, apenas nascido, pelos opressores deste mundo, fora protegido pelo próprio Deus; do mesmo modo, o Senhor toma conta da comunidade nascente. Esta certeza dá esperança, conforto e força às primeiras comunidades cristãs, e a nós hoje. Apesar de tudo, Deus os acompanha e por isso não devem temer a morte, que se torna sinal de “testemunho”, de vida plena. Neste sentido, o martírio dos inocentes antecipa e indica o martírio dos futuros discípulos de Cristo.
Mateus nos indica também que ter fé é estar atento à realidade ao nosso redor e responder assertivamente ao chamado de Deus. É “levantar-se” e ir, caminhar, encontrar o próximo. Certamente é a esta dinâmica que o Papa Francisco pensa quando insiste numa “Igreja em saída” e na “cultura do encontro”. Mas mover-se “com o menino”, não sozinhos. Se não estivermos com Cristo, nenhum movimento faz sentido. Deus orienta, indica o caminho, mas o ser humano tem que se mexer, agir, responder. Fé é exatamente esta resposta ativa e concreta à revelação de Deus. Deus nos mostra o seu projeto e, pela fé, aceitamos ou não, seguimos ou não.
Por fim, não podemos deixar de sublinhar que Mateus nos mostra que Cristo começou a sua vida no mundo como refugiado e estrangeiro em um país distante e desconhecido. Ele foi migrante para fugir da perseguição e da morte. Hoje temos situação semelhante em muitos países: milhões de pessoas forçadas a deixar sua terra por causa de diversos tipos de perseguição. Algumas famílias conseguem “fugir” e se refugiar em outros países, mas muitos que permanecem acabam mortos (martirizados) pelas guerras, fomes, milícias, governos corruptos... O mal continua a agir em muitos lugares, por isso é preciso ouvir a voz de Deus que nos orienta.
A mensagem do Papa para este 106º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado parte exatamente da experiência de Jesus deslocado e refugiado junto com os seus pais, a fim de reiterar a importância da base cristológica específica do acolhimento cristão. Faz refletir sobre a missão de cada cristão e de cada comunidade cristã que, por um lado, devem acolher e, de outro, reconstruir uma história juntos. Faz pensar a fundo a pastoral do migrante e sobretudo o significado da exortação bíblica: “Todas as vezes que fizeram isso (era estrangeiro e me acolheram) a um desses meus irmãos pequeninos, foi a mim que o fizeram” (Mt 25,40). Faz pensar no papel da Igreja e na sua missão profética. Em como ela deve se esforçar na luta, junto aos organismos da sociedade civil e os Governos dos países, para conseguir uma política migratória que leve em consideração os direitos das pessoas em mobilidade. Em como pode aprofundar seu esforço pastoral e teológico para promover uma cidadania universal na qual não haja distinção de pessoas.
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