“Este é o dia que o Senhor
fez: exultemos e cantemos de alegria” (Sl 117): este é o grito de louvor do
salmista que todos nós assumimos no dia de Páscoa. Não há dia mais feliz do que
este. O Senhor ressuscitou para nos salvar, não há alegria maior que possa
existir. Mas infelizmente nem todos conseguem reconhecer esta verdade de fé.
Por que será? Será que Cristo não foi convincente o suficiente? Ou será que o nosso
testemunho da ressurreição, desta grande alegria, não é verdadeiro o suficiente
para convencer o mundo?
Difícil dizer com clareza,
mas certo é que cada vez mais aumenta o número de pessoas que não creem na
ressurreição. Alguns porque deixam definitivamente de crer, preferindo teorias
mais superficiais e idealistas, que não comportam grande compromisso e não
exigem grandes mudanças na vida prática. São os ditos ateus, mas que no fundo
acabam por “crer” e se submeter a “doutrinas” duvidosas. Outros porque preferem
uma vida cômoda, sem empenho social ou espiritual. São os que se dizem
agnósticos, que até reconhecem a existência de Deus, mas de um deus sem
expressão, sem ação, sem encarnação. Um deus que na verdade não existe. Outros
ainda porque fazem confusão entre o ensinamento do Evangelho e outros
ensinamentos posteriores. Neste grupo estão, por exemplo, os espíritas, que
defendem a reencarnação no lugar da ressurreição. É verdade que esta teoria da
reencarnação não é nova e está presente em diversas religiões. O problema é
quando esta crença parte de quem se diz cristão. Parecem desconhecer o que diz
o apóstolo Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, a nossa
pregação é vazia e também é vazia a fé que tendes.” (1Cor 15,12-14)
Enfim, crer na ressurreição de Cristo – na Páscoa – não é
tarefa fácil. É algo comprometedor, que exige uma grande mudança de vida. E
talvez aqui esteja a chave da questão. Numa sociedade individualista e que
perdeu muito a noção dos valores e da gratuidade, é difícil comprometer-se com
algo. Aceitamos somente o que nos traz benefícios, o que nos agrada, o que nos
favorece. Dificilmente nos abrimos a algo que nos impele ao sacrifício, à
negação de nós mesmos para abraçar ideais coletivos etc. Tudo isso nos assusta,
nos enche de medo.
Mas ter medo é normal. Os próprios apóstolos tiveram medo no
primeiro encontro com Cristo. Não compreendiam o que estava a acontecer. Maria
Madalena e a “outra Maria” sentiram medo, tanto que tiveram de ser acalmadas
pelo anjo (cf. evangelho da noite de Páscoa). João teve medo de entrar no
sepulcro, mesmo chegando ali antes de Pedro (cf. evangelho do dia de Páscoa).
Tomé teve medo, e assim muitos outros discípulos de Jesus.
Ter medo não é um problema, pois a fé nos enche de questões
que muitas vezes não sabemos responder. Às vezes somos tomados por uma “noite
escura”, como São João da Cruz, e não sabemos para onde ir. Às vezes o nosso
coração se esvazia e não sabemos se ele conseguirá continuar a palpitar. Às
vezes perdemos o gps da vida e não sabemos a direção a seguir. Até mesmo
grandes santos passaram por estas experiências. É precisamente neste momento
que a Páscoa de Cristo assume o seu pleno valor e significado: a luz de Cristo
começa a brilhar, destruindo a escuridão da noite e iluminando o caminho à
nossa frente. A vitória de Cristo sobre o sofrimento e a dor mostra-nos que é
possível superar qualquer situação e comprometer-se com algo.
A semente da esperança nasce e inunda o coração daquele que
crê. Uma esperança que supera a dor da traição (Judas) ou do abandono (Pedro).
Uma esperança que supera a tristeza da mãe que vê o seu Filho caminhando para a
morte. Que vence a maldade do que condena por hipocrisia ou interesse. Que
enche o futuro de expectativa e supera o medo. Uma esperança que se compromete
e por isso transforma. Transforma o mundo porque consegue transformar cada ser
humano ao fazer com que este reconheça que o amor de Deus não tem limites.
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