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Reconciliação e misericórdia


Estamos em plena Quaresma, tempo muito significativo para a comunidade cristã. Tempo no qual somos convidados a intensificar o silêncio, o jejum, a abstinência, a oração, a meditação da Palavra. Tempo de preparação, de reflexão, propício para acompanharmos a vida de Cristo e toda a sua trajetória de doação e amor. Tempo, também, no qual somos exortados a valorizar de modo especial o sacramento da reconciliação. Esse é o desafio que o Papa Francisco nos faz através da sua intenção de oração para o mês de março: “para que vivamos o sacramento da Reconciliação com uma profundidade renovada, para saborear a infinita misericórdia de Deus”.

É muito interessante analisar detalhadamente o pedido do Papa, iniciando pela relação que ele faz entre esse Sacramento e a misericórdia de Deus. É comum hoje ouvir pessoas dizerem que não se confessam porque não precisam de um intermediário, neste caso o sacerdote confessor, para fazer o seu exame de consciência e pedir perdão a Deus. Muitos defendem que basta apresentar seus pecados diretamente a Deus, nos momentos de oração e reflexão: “eu só me confesso com Deus”. 

A intenção de oração do mês nos ajuda a recordar que o sacerdote-confessor atua in persona Christi, ou seja, é Cristo “em pessoa” que age nos sacramentos. O ser humano é apenas um instrumento, quem absolve é Cristo, quem consagra é sempre Cristo, por meio do sacerdote celebrante. No caso do sacramento da Reconciliação – também chamado sacramento da Penitência, do Perdão ou mesmo da Conversão – o sacerdote é apenas um instrumento da Reconciliação do penitente com Deus, ele é apenas a testemunha da compaixão e da misericórdia divina, como enfatiza o Papa. Portanto, é o próprio Cristo quem opera a remissão dos pecados, o ministro apenas transmite essa graça que provém de Deus em favor do penitente.

Desde as origens do Cristianismo o sacramento da penitência é tido como momento privilegiado de encontro com Cristo Redentor, realizado na Igreja, que é o seu Corpo, sua continuidade visível presente na história. À Igreja o próprio Cristo confiou o poder de perdoar os pecados – “àqueles a quem perdoardes os pecados lhes são perdoados e àqueles a quem os retiverdes lhes são retidos” (Jo 20,21-23), “eu te darei as chaves do reino dos céus e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,19) – por isso costumamos dizer que este sacramento é um evento de libertação e de santificação com dupla dimensão: eclesial (necessária mediação da Igreja, local onde o Espírito se torna presente) e pessoal (implica escolha livre, conversão e compromisso de vida nova). Isso se reforça quando recordamos que o pecado tem sempre implicações comunitárias, ou seja, ao pecar não faço mal apenas a mim mesmo, mas também ao próximo e à comunidade. 

Em uma de suas primeiras catequeses na Praça de São Pedro, o Papa Francisco falou sobre o sacramento da Reconciliação. Naquela ocasião, recordou que “o sacramento da Penitência e da Reconciliação brota diretamente do mistério pascal. (...) O perdão dos nossos pecados não é algo que possamos dar a nós mesmos. Eu não posso dizer: perdoo os meus pecados. O perdão é pedido a outra pessoa e na Confissão pedimos o perdão a Jesus. O perdão não é fruto dos nossos esforços, mas uma dádiva, é um dom do Espírito Santo” (Audiência de 19 de fevereiro de 2014). 

O Catecismo da Igreja Católica dedica diversos parágrafos ao sacramento da Reconciliação, dos números 1422 ao 1495, discorrendo longamente sobre o sentido da penitência, da conversão, da reconciliação, do perdão, e assim por diante. Ali se enfatiza que os atos do penitente são o arrependimento, a confissão ou manifestação dos pecados ao sacerdote, e o propósito de cumprir a reparação. Elementos a ter muito presentes ao longo deste mês e de todo o tempo quaresmal.

Ao final da sua catequese sobre a Confissão, ainda em 2014, o Papa Francisco enfatizou algo essencial: “celebrar o Sacramento da Reconciliação significa ser envolvido por um abraço caloroso: é o abraço da misericórdia infinita do Pai”. É isso que não podemos perder de vista em momento algum. Deus nos ama, apesar de todas as nossas limitações, todas as nossas imperfeições, todas as nossas faltas, todas as nossas quedas, todos os nossos pecados. Deus nos ama e está sempre pronto a nos acolher com o seu ‘abraço da misericórdia’.” Não por acaso o Papa convocou o Ano da Misericórdia em 2016, cujos eventos certamente todos recordamos e cujos frutos podemos colher ainda hoje nas nossas comunidades cristãs, por exemplo continuam muito ativos os chamados “missionários da misericórdia”.

Poderíamos nos alongar muito ao falar sobre a misericórdia de Deus e como esta se torna visível sobretudo através do sacramento da Reconciliação, através do arrependimento e do pedido de perdão feito na Confissão. Que o convite do Papa nos ajude a aprofundar essa reflexão e viver em modo mais profundo e significativo a misericórdia e a Reconciliação, na certeza de que só quando nos deixamos reconciliar no Senhor Jesus com o Pai e com os irmãos conseguimos verdadeiramente alcançar a paz.

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